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Políticas públicas e PAC


Eduardo Diniz

Instituto Superior de Agronomia (Economia Agrária e Sociologia Rural):1989-1993

Director Geral Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral

O segundo semestre de 2019 é um momento político decisivo porque se vai definir o Quadro Financeiro Plurianual para o período 2021-2027 da União Europeia, onde o debate sobre a Política Agrícola Comum é incontornável, tendo em conta a sua dimensão orçamental[1].

As propostas da Comissão Europeia, nos documentos estratégicos e orçamentais, escolheram como prioritários objetivos relacionados com a defesa, a segurança, a inovação/ digitalização e o combate às alterações climáticas. Estas opções têm por fundamento a resposta aos desafios em que a União Europeia terá capacidade de dar resposta, são as áreas em que se reconhece ou atribui o conceito de “valor acrescentado europeu”[2].

Uma consequência, desta linha estratégica, é o impacto sobre as denominadas políticas tradicionais como é o caso da PAC e da Coesão. Embora estas políticas mantenham uma parte muito expressiva do orçamento da UE, são propostos cortes financeiros significativos e um aumento da subsidiariedade (ou sua renacionalização).

Neste ponto é de realçar que o contexto que esteve na base da anterior reforma de 2013, caracterizado pela crise financeira e das commodities, não se repete neste quadro em que, as questões da segurança prevalecem nas quais a agricultura não é, à partida, tão responsiva.

Serve esta contextualização para colocar à reflexão, no quadro da preparação de um futuro Plano Estratégico para a PAC em Portugal, a questão:

- Qual o principal objetivo das políticas públicas e da PAC para a agricultura portuguesa? Ou visto de outro modo qual o principal papel da agricultura para o desenvolvimento de Portugal?

Sabemos que não há um objetivo único nem soluções únicas para a agricultura nacional, mas a tentativa de síntese numa frase com uma visão abrangente é sempre um desafio inspirador.

Historicamente é cíclica (incluindo nas últimas legislaturas) uma focalização no défice da balança do complexo agroalimentar. Com efeito é um facto histórico o desequilíbrio da economia portuguesa com o exterior, o qual é gerador de dívida e por essa razão está recorrentemente presente nos objetivos das políticas públicas delineadas para o setor.

Esses objetivos são por vezes mais amplos reportando a uma questão de soberania alimentar, defendido pelas correntes políticas mais protecionistas, ou, como alternativa procura-se defender um equilíbrio da balança externa em valor o que é defendido pelos partidários da economia de mercado (embora com alguma regulação).

Da análise das estatísticas nacionais pode-se afirmar que o risco da soberania alimentar é sobrevalorizado, tendo em conta o nível de autoaprovisionamento alimentar nacional, cerca de 80%, comparativamente aos níveis de (sobre)consumo alimentar[3].Contudo, no caso do défice, em valor, verifica-se que existe uma persistência de um valor elevado. Com efeito, o setor agroalimentar registou um défice para com o exterior de 3.8 mil milhões de euro, em 2018, e desde 2000 este valor tem variado entre 3.2 e 4 mil milhões.

Contudo, esta manutenção do valor de défice em termos nominais esconde um percurso assinalável do setor agroalimentar. A taxa de cobertura (exportações/importações) passou de 38% no ano 2000 para 65% no ano de 2018. Ou seja o aumento do volume global comercializado não agravou o défice nominal.

A título de exemplo é de apontar dois setores, o caso das frutas em que nos 18 anos as exportações aumentaram 736% com uma taxa de crescimento 41%/ano e uma taxa de cobertura que passou 26% para 85% e o setor da carne (animais vivos + carne) em que as exportações aumentaram 942% com uma taxa de crescimento 52%/ano e uma taxa de cobertura que passou de 3.5% para 30.2%. Nestes dois setores as importações também aumentaram, 153% (8.5%/ano) no caso das frutas, e 21% ( 1%/ano no caso da carne). Tendo em conta os valores de partida os défices mantêm-se nos dois setores, em 119 e 904 milhões euro nos setores da frutas e no da carne. Ou seja, a definição do saldo como um objetivo esconde a resposta extraordinária que os dois setores efetuaram no período de tempo considerado.

Afigura-se assim que o saldo da balança comercial, embora importante, não é o melhor indicador/objetivo porque o setor não domina a variável consumo. Assim, qual a vantagem de definir objetivos ambiciosos em que não é calibrada a ambição e a sua exequibilidade? Será de repetir a definição de objetivos para a agricultura portuguesa que incluem variáveis que os agricultores não têm capacidade de influenciar?

Este exemplo que se deu para a balança alimentar pode, com as devidas adaptações, ser dado para a questão da integração ambiental e no combate às alterações climáticas. Esta questão está bem patente no exemplo recente do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e o seu efeito na produção pecuária. No debate político perdeu-se a proporcionalidade e a perspetiva das verdadeiras capacidades e responsabilidades do setor agrícola.

A meu ver ao definirem-se objetivos excessivamente ambiciosos estes acabam por ter um retorno prejudicial para o setor. Esta constatação é mais pertinente no caso da PAC, porque para o próximo período o modelo será baseado no desempenho / resultados e não na conformidade dos controlos.

Repito então a questão, qual o principal objetivo das políticas públicas e da PAC para a agricultura portuguesa? Ou visto de outro modo qual o principal papel da agricultura para o desenvolvimento de Portugal?

Tendo em conta a atuação da agricultura em três níveis que se entrecruzam: o económico, o do ambiente e clima e o social e territorial a visão para a agricultura nacional deve abranger as três áreas. A opção por um objetivo central pode ter várias alternativas, como aquelas que se apresentam em baixo.

- Gestão ativa e sustentável do solo (ou dos recursos naturais);

- Aumento sustentável da produção e das exportações de base natural;

- Utilização eficiente dos recursos / Intensificação sustentável;

- Uma agricultura e floresta resilientes (aos fatores naturais e de mercado)

- Produção de um nível diversificado de alimentos seguros

- A defesa de sistemas tradicionais e da biodiversidade,

Estas opções são diferentes entre si, mas têm um denominador comum é que são alguns exemplos em que os agricultores se podem (e desejam) responsabilizar.

[1] A PAC representa cerca de 39% do Orçamento da UE com cerca de 400 mil M€ e PT beneficia com aprox. 9 mil M€ (período 2014-2020)

[2] V/ tb/ documento da Comissão Europeia sobre a PAC (“O futuro da Agricultura e da alimentação” Nov 2017).

[3] Segundo INE, BAP, em 2016, o aporte calórico total das disponibilidades diárias alimentares per capita foi 3 895 kcal/hab/dia (média 2012-2016 de 3 834 kcal/hab/dia), valor 192% acima da média da dose diária de calorias recomendadas (2 000 kcal/hab/dia) pela OMS.

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